O
recente mal estar que se estabeleceu entre os governos do Acre e de São Paulo
sobre o fluxo migratório de haitianos e outros imigrantes revela o
desconhecimento profundo de lideres políticos em São Paulo sobre o que está
acontecendo nas fronteiras do pais. Se
os estados do sul e sudeste tiveram duvidas antes se o Acre existe, agora é
evidente que o que acontece no Acre tem implicações nacionais e
internacionais. A sociedade civil do
Acre gostaria de fornecer alguns fatos para que os governos entendam os seus
papeis num mundo de migrações onde agora facebook, email e eventos extremos
climáticos fazem parte do processo.
1. Por causa da geografia e da política externa
do governo federal, o Acre se transformou em um dos portais nacionais de
imigração. Isto não foi escolha do Acre,
muito menos da pequena cidade fronteiriça de Brasileia com uma população de
pouco mais 20 mil habitantes, desses cerca de 10 mil na zona rural, que chegou
a abrigar mais de 2.500 migrantes no inicio de abril deste ano. Desde 2010, mais de 22.000 imigrantes, a
maioria deles haitianos, usaram o Acre como porta de entrada no Brasil. Esta imigração tem sido foco de vários
artigos nos jornais de São Paulo, revistas nacionais e internacionais e em
vários noticiários e programas de TV nos
últimos anos. Esses milhares de imigrantes foram para outros estados do país
inclusive São Paulo. É uma surpresa ver
o desconhecimento da parte de lideranças políticas de São Paulo sobre este
fluxo migratório.
2. Os imigrantes entram no pais e solicitam protocolo
de refugio. A grande maioria recebeu o seu CPF e carteira de trabalho já no
Acre. Importante esclarecer que eles entram pelo Acre, mas o objetivo é ir para
sul do pais onde tem escassez de mão de
obra. Afinal, a população do Acre é menos
de que 0,5% do pais e só poderia
oferecer emprego para uma fração mínima dos migrantes. Às vezes
chegavam em Brasiléia (pop. 20.000), cem ou mais imigrantes por dia, antes de
desativar o abrigo, atualmente acontece o mesmo em Rio Branco (pop.
310.000). Esperamos que a cidade de São
Paulo (pop. 11 milhões) tenha condições melhores do que o Acre para acolher
fluxos desta magnitude, considerando que o PIB municipal de São Paulo é cem
vezes maior do que o de Rio Branco.
3. A maioria dos migrantes viaja para o sul via
pagamento próprio ou via empresários que vieram em busca de trabalhadores e
forneceram transporte, porém uma proporção significativa foi tão explorada no
caminho do Haiti até o Acre que chegou sem recursos financeiros para seguir
viagem. Estes precisam de ajuda para chegar
ao seu destino final.
4. Da mesma maneira que São Paulo e outros
estados do país estão sofrendo uma seca extrema, Acre e Rondônia foram afetados
por uma inundação sem precedentes históricos que efetivamente isolou o estado
do Acre por via terrestre por mais de dois meses. Este isolamento criou uma
situação onde fornecimento de combustíveis e comida ficou fragilizado e
transporte terrestre de passageiros zerado. Sem saída, os números de imigrantes
em Brasiléia aumentaram na faixa de 30 a 50 por dia, sobrecarregando o abrigo e
a capacidade do governo do estado de fornecer alimento aos recém-chegados. Lemos matéria da revista VEJA onde a Sra.
Eloisa Arruda diz que o governo do Acre põe em risco a vida dos imigrantes
colocando-os em situação de vulnerabilidade porque viajam em ônibus sem a
presença de uma assistente social. É não conhecer a realidade das estradas
brasileiras, que representam risco para todos que trafegam por elas e não é a
presença de uma técnica que vai corrigir as estradas mal pavimentadas, mal
sinalizadas e mal fiscalizadas além da imensa quantidade de motoristas que
dirige sem condições físicas e psicológicas pelos longos períodos de vigília e
uso de bebida alcoólica. Quanto a outros riscos como o contato com drogas, os
haitianos fazem essa longa viagem passando por territórios produtores de coca e
mesmo assim não parecem interessados em se envolverem com trafico ou uso de
entorpecentes, nem mesmo de álcool. É preciso compreender que essas pessoas são
dotadas de inteligência e de determinação em busca de uma vida melhor para si e
seus familiares que ficaram em seus países de origem.
5. Esse aumento de pessoas no abrigo de
Brasiléia aumentou os transtornos que já existiam para a população local e
instituições como bancos e centros de saúde entre outras. O convívio no abrigo
já não tinha a harmonia de antes e pequenos conflitos começaram a surgir entre imigrantes
haitianos e senegaleses. Frente a todos esses problemas o governo do Acre
precisou tomar medidas para evitar que a situação piorasse e transferiu o
abrigo para a capital, Rio Branco que aliás já era uma solicitação de parte da
sociedade, tendo sido inclusive uma das propostas da Conferencia livre sobre
migração e refugio realizada em Rio Branco e da Conferencia oficial realizada
em Brasiléia. Outra medida de urgência foi de utilizar os aviões que estavam
transportando alimentos em decorrência da cheia do Rio Madeira para transportar
os haitianos que já tinham protocolo e queriam seguir viagem para outros
estados.
6. Essa crise humanitária que se instalou no
Acre nos últimos meses é sem precedentes e foi reportada em jornais do país,
inclusive de São Paulo, até com a sugestão do governo federal de estabelecer
ali um centro de apoio aos refugiados.
Por isso, as organizações da sociedade civil acreanas não aceitam que o
governo do Acre e a sua população sejam tratados como irresponsáveis e de forma
preconceituosa como vem sendo noticiado em vários meios de comunicação. É
importante ressaltar que a imigração e refugio no Brasil são assuntos do
governo federal e cabe a ele traçar uma política que atenda aos novos fluxos
migratórios, inclusive para brasileiros, que mesmo ainda existindo mais de dois
milhões no exterior, muitos demonstram desejo de voltar.
7.
E, por fim, nós, organizações da
sociedade civil, Conselheiros de Direitos e cidadãos do Acre estamos
preocupados com a forma com que vem sendo tratada essa questão dos imigrantes,
em sua maioria negros haitianos e senegaleses, por parte de algumas autoridades
e setores da imprensa. Por isso nos reportamos ao Conselho de Defesa da Pessoa
Humana, ao Ministério Público Federal, à Comissão de Direitos Humanos da Câmara
dos Deputados e ao Conselho Nacional de Imigração para que acompanhem, e, em
caso de constatação de atitudes racistas e xenofóbicas tome medidas protetivas
aos direitos humanos desses imigrantes.
8. Está mais do que na hora de os governos
estaduais se empenharem em trabalhar juntos em prol da defesa de direitos
humanos, tanto dos cidadãos brasileiros quanto de imigrantes. Afinal o Estado do Acre já acumulou boa experiência
com esse fluxo migratório, por outro lado, São Paulo poderia ajudar a preparar os
imigrantes para a nova realidade que vão se encontrar no sul do pais que é para
onde desejam ir. Só trabalhando juntos poderemos avançar como sociedade e como
civilização.
Assinam:
1- Centro
de Defesa dos Direitos Humanos e Educação Popular do Acre – CDDHEP
2- Conselho
Municipal de Promoção da Igualdade Racial – COMPIR
3- Quilombo Acre
5- União Brasileira de Mulheres – UBM
6- Sindicato das Trabalhadoras e Trabalhadores Domésticos do Acre – SINDOMÉSTICO
7- Sindicato dos Trabalhadores
em Educação do Acre- SINTEAC
8- Federação
das Associações de Moradores do Acre - FAMAC
9- Grupo de Pesquisa
e Fórum Permanente de Educação Étnico-Racial
do Estado do Acre - FPEER
10- Coletivo Extensão
em Sistemas
Agroflorestais do
Acre – PESACRE
11- MiniMAP Direitos Humanos e Ambientais.
Rio Branco, 08 de maio de 2014
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