segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Democracia sem Povo

Imagem retirada da internet

Por Joãozinho Ribeiro
Um coro curioso e inusitado de protagonistas políticos começa a formar-se neste período pós-eleições presidenciais, juntando o que há de mais abjeto e fisiológico na famigerada base aliada da presidenta Dilma com um contingente beligerante de inconformados com o resultado das urnas, impossibilitando, neste primeiro momento, que se vislumbre, civilizadamente, a necessidade de recolher o armamento pesado das baixarias que monopolizaram a campanha eleitoral e retomar as pautas e agendas que recoloquem em dia as discussões que realmente interessam ao país.

Um dos primeiros maus exemplos vem da Câmara de Deputados, capitaneado pelo seu presidente e candidato derrotado no segundo turno às eleições de governador em seu estado, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), titular de 11 mandatos, com 44 anos de vida parlamentar, eivado de pirraça e vingança, na votação que suspendeu os efeitos do Decreto n. 8.234/2014, que institui a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Sistema Nacional de Participação Social (SNPS).

Pelas manchetes que li da maioria dos jornais e comentários postados nas redes sociais, excetuando os que o fizeram por simples má vontade e aversão à participação popular, dá pra perceber perfeitamente aonde se localiza a legião de desinformados a que se referia o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, durante a campanha presidencial de 2014Parece-me, à primeira vista, uma versão mal acabada do “não li, e não gostei”.  Para estes, sugiro a leitura de um artigo bastante esclarecedor, da lavra do ministro e Vice-Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Gilson Dipp, publicado na edição n. 424, do mês de setembro último, da revista jurídica Consulex.

Dele, tomo emprestado um trecho que sintetiza a sua posição acerca da legitimidade e legalidade do Decreto n. 8.243/2014, varrendo para fora das raias do Direito qualquer invocação de inconstitucionalidade, uma das razões apresentadas para o seu questionamento na Câmara dos Deputados e no Senado Federal:
“Resumindo, esse ato do Poder Executivo, além de não afrontar ou usurpar poder ou prerrogativa do Legislativo, nem evidenciar irracionalidade administrativa, abuso ou excesso, oferece à opinião pública, em transparência e objetividade, as proposições de diálogo e participação com seus correligionários e com toda a nação. A própria Mesa de Monitoramento de Demandas Sociais, incluída como modalidade de atuação administrativa em face dos movimentos sociais, se integra na concepção mais moderna de solução de conflitos por via de conciliação e negociação extrajudicial, o que, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, foi erigido como política oficial e recomendação expressa. Ou seja, a adoção desses mecanismos de pacificação ou conversação, além de afinado com as diretrizes de outros poderes, reflete mais uma vez uma política de aceitação de forças sociais informais como representação do poder popular sem qualquer diminuição das instituições constitucionais e legais.

Políticas públicas e participação social, para uns poucos, são palavras que soam como sinônimo de blasfêmia e pecado. Bradam contra a corrupção, mas não aceitam a implementação de mecanismos de transparência e controle social, apesar do Congresso Nacional ter aprovado recentemente nesta área uma das legislações mais avançadas e elogiadas do mundo sobre o assunto.

Participação social é sinônimo de cidadania, de política pública e do exercício de uma prática política que não pode ficar represada no dia a dia, muito menos destinada a ser exercitada somente de quatro em quatro anos pelo simples apertar das teclas de uma maquininha eletrônica escondida numa cabine de votação. Talvez seja justamente por isso que este represamento da participação social provoque um transbordamento de manifestações encharcadas dos mais desregrados preconceitos, representadas por um discurso do ódio contra mulheres, negros, pobres, nordestinos, homossexuais, índios e outros consideráveis segmentos da sociedade brasileira, desde que não estejam afinados com o coro dos ressentidos e descontentes.

Do governo Collor, passando por Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, a implantação de políticas e sistemas de participação social vem se dando, com mais ou menos intensidade, em variadas dimensões da vida pública. Assim sucedeu com as áreas da Saúde, da Assistência Social, do Meio-Ambiente...e, mais recentemente, com as áreas da Educação e da Cultura. Estas experiências têm se expandido para outros setores de políticas públicas e, mais recentemente, passaram a incluir a participação popular na discussão do PPA – Plano Plurianual e no debate das políticas econômicas com a criação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. A previsão e o respaldo constitucional se encontram dispostos no parágrafo único, do artigo primeiro, da nossa Carta Constitucional: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Dar concretude a esta norma constitucional, que reputo de preponderante eficácia, significa vincular todos os governantes a um dos fundamentos primordiais da República Federativa do Brasil, qualificador do nosso Estado Democrático de Direito. Trata-se do reconhecimento expresso de que, na ordem política brasileira, o povo é o titular do poder. Assim, ao povo devem ser dadas satisfações por seus mandatários, que necessariamente deverão exercer o mandato em nome e para o bem dele, como um todo e não apenas à parcela que os elegeu.

O que o Decreto n. 8.243/2014 visa, na realidade, é eleger a participação social como método de governo, o que já é um ato louvável. O seu conteúdo, em momento algumdesborda da competência regulamentar garantida ao Presidente da República pelo disposto no art. 84, incisos IV e VI, alínea a, da Constituição, muito menos “revela a intenção de implodir a democracia representativa, criando órgãos públicos e propiciando o sucateamento do Poder Legislativo”, como estão falsamente alardeando os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, referendados pela cumplicidade dos meios de comunicação, que sequer divulgam o teor do Decreto.

Deste modo, se torna cada vez mais difícil, pensarmos um sistema político ou um modelo de democracia semidireta, como é o nosso caso, onde o povo não seja o grande protagonista das decisões públicas, mesmo que limitadas aos ditames constitucionais. Mais difícil e inconcebível ainda é imaginar-se a democracia sem a presença dpovo.

João Batista Ribeiro Filho, poeta e compositor, advogado, professor, militante político e social, ativista de direitos humanos, servidor público federal (Analista Tributário da Receita Federal). Professor do Curso de Direito da Faculdade Estácio de São Luís, membro do Conselho Diretor da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos e do Instituto Jackson Lago; titular da cadeira nº 26 da Academia Maranhense de Letras.

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