sexta-feira, 22 de junho de 2012

Sobre Lugo, Jackson e Roseana

Hoje é mais um dia para entrar na (triste) história da democracia latinoamericana. Por 39 votos a favor e apenas 04 contrários, o presidente paraguaio Fernando Lugo foi deposto do seu cargo pelos senadores daquele país. Muitos chamam de impeachment, haja vista ter sido, a priori, um processo que obedecera os ritos "legais" e constitucionais. Contudo, fora muito mais que isso. Tratou-se de verdadeiro golpe implementado pelo legislativo daquele país. Lugo, para surpresa de muitos, acatou a decisão do Senado.

Não vou entrar no objeto do pedido de "impeachment" do presidente Lugo, por instauração do chamado juicio político, por "mal desempeño de sus funciones". "Em que pese o caráter de legalidade da decisão do Senado paraguaio, o "impedimento" do presidente Lugo não pode ser assim tratado por um motivo simples: violou, flagrantemente, os princípios do contraditório e da ampla defesa e do devido processo legal. 

De imediato, adianto. Não sou um especialista em Constituição paraguaia. Creio que muitos de vocês também não o sejam. Mas hão de concordar comigo que um processo de cassação, que em sua plenitude dura pouco mais de 24 horas, não respeita, em momento algum, os referidos princípios. Não vou aqui entrar no mérito do pedido feito pela Câmara dos Deputados do Paraguai, com base no artigo 225 da Constituição. A discussão aqui é apenas em respeito a dois dos mais fundamentais princípios constitucionais. É possível que uma democracia possa ser construída sem observância dos referidos princípios? Não. Não é possível. 

Apenas para ilustrar que o caso paraguaio é sim um golpe, tiramos como exemplo o episódio do impeachment do presidente Fernando Collor. No dia 01 de junho de 1992, o Congresso brasileiro instala uma CPI para apurar as denúncias feitas pelo seu irmão, Pedro Collor. No decorrer desse processo, houve uma ampla mobilização popular, reunindo os mais diversos setores da sociedade, que exigiam a cassação do presidente brasileiro. Em 29 de setembro de 1992 (quase 4 meses depois de instalada), a CPI conclui que o presidente sabia do esquema de corrupção e lavagem de dinheiro de PC Farias. A Câmara, por 441 votos contra 38, decide pelo impeachment do presidente, que é afastado, interinamente, no dia 02 de outubro daquele ano. Somente em 29 de dezembro de 1992, horas antes do processo de impeachment iniciar-se no Senado, o presidente Fernando Collor renuncia ao mandato. Já era tarde. Ainda assim, seus direitos políticos foram cassados. 

Vejam que todo o processo durou 06 meses, com plena possibilidade de defesa ao ex presidente Collor. Seu processo, além de constitucional, haja vista terem sido observados os princípios da Carta Magna, foi legítimo, pois também ouviu a voz das ruas, que clamavam pela cassação do presidente.

Em 2009, o Maranhão viveu um processo parecido. O então governador Jackson Lago, eleito democraticamente em 2006, sofreu um processo de cassação de mandato pela via judicial. Depois de um trâmite de mais de dois anos, o TSE entendeu que o governador tinha infringido a lei eleitoral, cassando assim seu mandato, e entregando-o para a segunda colocada naquela eleição, a atual governadora Roseana Sarney.

Muitas foram os que se insurgiram contra a decisão do TSE, afirmando que aquela decisão tinha contrariado as vozes das ruas e a decisão das urnas. Isso é fato. Setores da imprensa aliados (ou afinados) com a então candidata, como ela própria, afirmavam que não se tratou de um golpe, mas apenas da simples observância da lei eleitoral, que proíbe o abuso de poder econômico e político.

Agora, em 2012, os papéis se invertem. Está em curso contra a governadora Roseana Sarney um processo de cassação de seu mandato no TSE, que, segundo informações do Conjur (leia aqui) deve ser colocado em pauta no mês de agosto. O fundamento do pedido, ainda segundo o Conjur, é o suposto abuso de poder político e econômico da então governadora às vésperas de seu nome ser homologado como candidata à reeleição. A cassação do governador Jackson Lago também teve o mesmo fundamento (aqui).

Algumas perguntas ficam no ar: como reagirão os diversos setores se a governadora Roseana Sarney for cassada pelo TSE? A governadora afirmará que tratou-se de um golpe, de uma decisão que feriu a vontade popular? E os que condenaram a decisão do TSE contra o governador Jackson Lago? Ratificarão o entendimento de que tratou-se apenas de respeito ao devido processo legal e às normas eleitorais do país? Cenas para os próximos capítulos.

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