No dia 29 de agosto do corrente, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) realizou pregão nacional com o objetivo de contratar 158 relatórios antropológicos, divididos em 48 lotes, a fim de subsidiar processos de titulação de territórios quilombolas em todo o país (Ata de realização de Pregão eletrônico nº 00015/2011 - SRP; Processo n. 54000000556201196).
Após o recebimento das propostas pelas empresas candidatas, deu-se início à fase de lances. Com a finalização desta fase, foram classificadas apenas 10 empresas para realização de todos os 158 laudos antropológicos.
Em valores globais, será dispensado pela autarquia federal o montante de R$ 4.036.803,36 (quatro milhões trinta e seis mil oitocentos e três reais e trinta e seis centavos). Em média, cada um dos 158 laudos antropológicos custou aos cofres federais o valor de R$ 25.549,38 (vinte e cinco mil quinhentos e quarenta e nove reais e trinta e oito centavos).
Para o Maranhão, estado contemplado com o maior número de relatórios antropológicos, foram apregoados 33 laudos, para diversas regiões do Estado. Juntos, eles foram responsáveis por R$ 1.252.697,76 (hum milhão duzentos e cinquenta e dois mil seiscentos e noventa e sete reais e setenta e seis centavos), o que representa cerca de 31% do valor global. Cada laudo contratado para o Estado do Maranhão custou, em média, cerca de R$ 37.960,53 (trinta e sete mil novecentos e sessenta reais e cinquenta e três centavos), o que representa um valor de cerca de 11 mil reais a mais do que a média nacional.
Mais do que os números, a contratação de empresas para a elaboração de laudos antropológicos revela a ineficiência do poder público em responder à demanda quilombola, crescente no país nos últimos anos. tal demanda não foi acompanhada pelo órgão responsável pela titulação das terras quilombolas, o INCRA, desde 2003, com o advento do Decreto n. 4.887/2003.
A autarquia, ao longo desses anos não investiu no fortalecimento, estruturação e qualificação do órgão para titular terras quilombolas no país. Somente em 2010 o INCRA realizou concurso público para profissionais responsáveis na elaboração dos laudos. O concurso ficou bastante tempo suspenso por suspeita de fraude, mas um Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre o INCRA e o Ministério Público Federal do Pará possibilitou o prosseguimento do mesmo.
No referido concurso, foram aprovados 04 antropólogos para compor o quadro da coordenação quilombola no INCRA do Maranhão, que desde 2003 até a presente data conta apenas com uma profissional capacitada para elaboração dos referido instrumentos. Ressalte-se, nesse intervalo, por quase dois anos, o INCRA/MA ficou desguarnecido de antropólogos, o que prejudicou, sobremaneira, o andamento de dezenas de processos de titulação.
Na tentativa de solucionar o problema, a contratação de laudos antropológicos pelo INCRA pode gerar e agravar conflitos nas comunidades quilombolas. Como são empresas privadas, estão no mercado do capital, visando o lucro. Muitos dos profissionais a serem contratados para execução do objeto do pregão podem não estar afetos à temática, que requer um conhecimento teórico-prático bastante aprofundado. Laudos deficientes, incompletos, com falhas técnicas e que não atendam às disposições normativas pertinentes ao objeto (Decreto n. 4.887/2003 e Instrução Normativa INCRA n. 57/2009) são passíveis de questionamentos tanto em nível administrativo como em nível judicial. Assim, não é difícil supor que contestações realizadas por terceiros contrários ao processo de titulação das comunidades podem atrasar ainda mais o seu caminho ordinário, principalmente se levado à esfera judicial.
Desta forma, o INCRA, com demais órgãos públicos, deveriam investir num processo contínuo de fortalecimento e estruturação de seu quadro funcional, para poder realizar suas atividades fins. A Constituição federal proíbe que a exceção (contratação de atividades fins por licitação) vire regra (realização de concurso público). Não podemos aceitar que as exceções virem regras. Isto, além de graves implicações jurídicas, podem ocasionar também sérios danos e impactos nas comunidades.
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