Um primeiro alerta ao leitor: este não é um texto jornalístico - e nem tem pretensões em sê-lo. Trata-se do registro do que aconteceu hoje (13 de janeiro) durante a visita da Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado Federal, com algumas pequenas considerações. Apesar do tamanho, tentei ser o mais objetivo possível.
A visita da CDH começou por volta das 10:30, na sede da OAB-MA. Vieram ao Maranhão os senadores que compõem a CDH e vieram ao Maranhão (Ana Rita, Randolfe Rodrigues, João Capiberibe e Humberto Costa) e dos senadores maranhenses Edison Lobão Filho e João Alberto. Inicialmente planejada como um momento de encontro e diálogo com a sociedade civil e entidades de direitos humanos, a reunião acabou ganhando uma amplitude maior, com representantes do Estado. Estavam presentes deputados estaduais e federais, vereador (???), juízes, defensores públicos e representante do MPE. Por cerca de uma hora, os senadores ouviram alguns relatos de representantes de entidades sobre o histórico de violência dentro do sistema prisional maranhense. Comissão de Direitos Humanos da OAB-MA, Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, Conectas, Pastoral Carcerária, Sindicato dos Agentes Penitenciários foram algumas das entidades que se manifestaram.
Logo após, a comitiva de senadores se dirigiu ao Complexo Penitenciário de Pedrinhas. Eu e diversos integrantes de diversas entidades da sociedade civil saímos também para participar da inspeção. Quando chegamos, os senadores já haviam ingressado no CADET. Todos os representantes das organizações da sociedade civil foram barrados na porta. Protestamos. O Governo do Estado dava os primeiros sinais de que o diálogo não seria frutífero.
Há de se registrar a infeliz (para dizer o mínimo) entrevista do senador Edison Lobão Filho, que criticou a vinda da CDH para vistoriar Pedrinhas. "Na hora em que se faz uma visita para defender direitos humanos, priorizar os detentos é um equívoco", disse o representante maranhense no Senado, conforme noticiou o site G1.
Parece desconhecer o nobre senador que a construção histórica dos direitos humanos tinha (e continua tendo) o objetivo de defender as pessoas das atrocidades e violações cometidas pelo Estado. E, enquanto encarcerados, os que se encontram no Complexo de Pedrinhas estão sob a guarda do Estado, e devem ter garantida a sua integridade física e seus direitos, conforme estabelecido em todos os regramentos normativos nacionais e internacionais de direitos humanos.
"Ah, mas os direitos humanos só se defende bandido!", bradam os defensores dos cidadãos de bem. Será mesmo? Com um sistema penal tão seletivo e passível de erros, situações como a do homem preso injustamente que contraiu HIV em virtude de um estupro sofrido em presídio de Manaus é um caso excepcional? Aqui a reportagem do site R7 sobre o assunto.
Ademais, há de se ressaltar ainda o papel das entidades de direitos humanos no caso de incêndios nos ônibus na cidade de São Luís, que acabou resultando na morte da pequena Ana Clara. A Sociedade Maranhense de Direitos Humanos - SMDH lançou Nota de Pesar e Repúdio sobre o fato. Ademais, comprometeu-se (e vem realizando isso até agora) em fazer o acompanhamento psicossocial dos familiares da Ana Clara e do Márcio. Um papel que deveria, a priori, ser do Estado, que sabia dos ataques que seriam realizados, mas não foi capaz de fornecer segurança à população de São Luís.
Bom. Voltemos à visita da CDH do Senado. Após a saída dos senadores da CADET, os mesmos se dirigiram ao Presídio São Luís I. Após um intenso debate com a direção do complexo, as entidades decidiram participar da inspeção no referido presídio. Em conjunto com os senadores, deputados e demais agentes públicos, as entidades da sociedade civil visitaram um corredor com 6 celas, onde estavam alguns presos. Alguns relataram o descaso com o tratamento de saúde. Um deles relatou que estava preso provisoriamente a cerca de 8 meses.
Logo depois, a CDH decidiu prosseguir sozinha em outro espaço do Presídio São Luís I. As entidades da sociedade civil foi impedida de prosseguir e até mesmo de inspecionar outros espaços. Diante de mais uma afronta, decidimos nos retirar e não legitimar uma falsa abertura de diálogo por parte do Governo do Estado.
As entidades da sociedade civil retornaram apenas no começo da noite, na sede da Defensoria Pública do Estado do Maranhão (DPE), por conta do compromisso assumido pela senadora Ana Rita, de ouvir demais representantes da sociedade civil e de familiares de vítimas dos ataques aos ônibus e de presos assassinados nas últimas semanas.
Durante a tarde, a comissão de senadores esteve reunida com a presidenta do Tribunal de Justiça do Maranhão, Desembargadora Cleonice Freire, e com a Governadora do Estado, Roseana Sarney.
Depois de cerca de duas horas de espera, os senadores chegaram à DPE. Por conta do horário (20h), os senadores Humberto Costa e João Capiberibe se reuniram com representantes do Ministério Público Estadual e da Defensoria Pública, o senador Randolfe Rodrigues se reuniu com a sociedade civil, e a senadora Ana Rita conversou, reservadamente, com familiares das vítimas.
Randolfe Rodrigues apresentou um balanço do dia e de suas impressões das visitas e das reuniões realizadas. Logo depois, foi franqueada a palavra à sociedade civil. Dentre as dezenas de falas, destaco aqui a intervenção da mãe de um preso, que fez um assustador relato sobre as condições do presídio e das revistas vexatórias pelas quais estavam sujeitas as mulheres. "Como vou enfiar uma arma de fogo, um facão dentro do meu corpo? A entrada dessas armas contam com a conivência de alguém lá dentro", afirmou ela.
O momento de rebuliço da noite ficou por conta das declarações do deputado Chiquinho Escórcio, que ratificou a infeliz declaração do senador Lobão Filho. Levou uma sonora vaia dos participantes, e se retirou do local logo depois.
Depois de ouvir os relatos das vítimas, a senadora Ana Rita se juntou ao senador Randolfe Rodrigues. Ela deu mais detalhes sobre a reunião com a Governadora Roseana Sarney. Segundo a Presidenta da CDH, o principal ponto de discussão com Roseana foi a participação da sociedade civil no diálogo para a solução da crise carcerária do Maranhão. Segunda a senadora, Roseana Sarney teria dito que esse diálogo já estava aberto, com a formação do gabinete de crise, medida anunciada após a vinda do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.
Contudo, o Decreto governamental que instituiu o Comitê de crise menciona apenas a participação da OAB-MA. Deixa de fora diversas entidades que historicamente sempre denunciaram as violações ocorridas sistematicamente em Pedrinhas.
Portanto, para nós, é fundamental que, antes de iniciar qualquer diálogo com o Estado, as entidades da sociedade civil tenham livre acesso, sem necessidade de autorização prévia, às dependências do sistema prisional maranhense.
Ao final do dia, já por volta das 22 horas, o senador Randolfe Rodrigues falou sobre os próximos passos da CDH. Está prevista, dentre outros encaminhamentos, a solicitação de uma audiência com o ministro Cardozo para tratar das informações levantadas pela comissão, bem como a realização de uma força tarefa para analisar a situação processual de todos os detentos do Complexo de Pedrinhas.
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