quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Justiça, ainda que tardia?

Durante dois dias, a equipe técnica do Programa Nacional de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, ligada à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, esteve no Maranhão para analisar dois casos de defensores de Direitos Humanos que estão sendo ameaçados e já sofreram atentados contra suas vidas. A equipe técnica esteve no Estado atendendo solicitações da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos e da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. Esta última quando de sua recente passagem por estas terras.
Importante frisar que o Programa Nacional de Proteção a Defensores tem apenas 6 anos de existência. Até aqui, apenas 6 Estados da Federação possuem Programas Estaduais de Proteção a Defensores de Direitos Humanos. Mesmo após a Constituição Federal de 1988, a política de defender pessoas que estão ameaçadas por reivindicarem direito é bastante nova. O Estado do Maranhão esteve em negociações com o Governo Federal para criação do Programa Estadual. Infelizmente, a instabilidade política no ano de 2009 fez com que as negociações fossem interrompidas, e, de lá pra cá, não foram retomadas pelo atual governo.
No primeiro dia, foi feita a oitiva dos dois defensores ameaçados. Ficaram evidenciadas todas as ameaças e atentados sofridos pelos dois. Um deles escapou da execução por desmarcar, de última hora, um evento anteriormente agendado. A origem das ameaças tem relação direta com a causa do conflito: os conflitos agrários do Estado do Maranhão, oriundos de décadas de concentração de terras nas mãos de grandes empresários, políticos locais e grandes empresas, que querem a terra para simples exploração econômica. Arrisco a dizer que cerca de 95% das ameaças e atentados contra defensores de direitos humanos no Estado, tem relação direta com o campo, com a zona rural e seus conflitos.
Nos dois casos analisados pela equipe federal, do lado oposto aos defensores ameaçados, encontramos famílias tradicionais de grandes proprietários, técnicos federais corruptos, políticos com influência local e estadual, e até empresas estrangeiras, com interesse em empreendimentos turísticos. Todos este reivindicando terras sabidamente griladas, ocupadas a décadas por posseiros tradicionais e comunidades quilombolas.
O problema agrário do Estado está intimamente relacionado com a máfia dos cartórios que impera no Maranhão. A Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado e a Polícia Federal (PF) investigam vários cartórios do Estado. Algumas dessas investigações já resultaram em afastamento de titulares desses cartórios, como no caso do Cartório do 1° Ofício da Comarca de Barreirinhas. Esperamos que o Tribunal e a PF possam aprofundar esses trabalhos e tornar público a corrupção extremada que ocorre nesses ofícios.
No segundo dia, a equipe técnica do Programa (com a presença da SMDH), participou de audiências com representante da Secretaria de Estado de Segurança Pública e com os órgãos fundiários federal e estadual (INCRA e ITERMA, respectivamente).
Na Secretaria de Segurança Pública, confesso que não queria ouvir o que já era esperado: o Estado do Maranhão não pode fornecer segurança e proteção a esses defensores ameaçados. “Não há efetivo”, justificou o representante do órgão de segurança. É plausível ouvir de um representante do Estado que não é possível fornecer proteção há quem, legitimamente, reivindica um direito já consolidado para um grupo social, e que está sendo ameaçado de morte por isso? Uma execução sumária ocorrida recentemente já não basta?
“Para nós, é mais fácil fornecer proteção a uma autoridade, do que para um trabalhador rural”. Tirem suas próprias conclusões sobre o que essa assertiva representa.
Em um dos casos há grandes chances de um dos ameaçados ter que deixar o Estado do Maranhão, sua comunidade, e o que é mais importante – sua família, em virtude das reiteradas ameaças e atentados que vem sofrendo. Isso demonstra o atestado de incompetência que o Maranhão fornece a nível nacional. Não pode oferecer proteção aos seus próprios cidadãos. Tal medida drástica pode ser satisfatória para o ameaçado, mas certamente causa instabilidade no grupo social que representa, enfraquecendo a luta pela garantia de direitos daquela comunidade.
Nas audiências com os órgãos fundiários (que enfrentam o ponto fulcral das ameaças), medidas estão sendo tomadas pelo Estado (latu sensu) para a tentativa de resolução dos conflitos agrários relacionados com os casos. Pena que a burocracia não permite que o Estado caminhe na velocidade que desejamos. Mais do que isso. O Estado não caminha na velocidade que se faz necessária a fim de garantir a estabilidade e a pacificação social.
Qual será a postura adotada pelo Estado se um desses defensores ameaçados tiver sua vida ceifada? Já antevejo até o discurso: “O Estado não medirá esforços para esclarecer tais fatos, buscando a punição exemplar dos culpados”. No Maranhão, ao que parece, é mais fácil remediar do que prevenir.

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