É bastante provável que o ano de 2011 seja lembrado pelas entidades e organizações da sociedade civil, pelos camponeses, pelos indígenas, pelos sem-terra, pelos quilombolas e demais povos tradicionais do Brasil como um dos anos mais trágicos para a política agrária brasileira. Depois de corte orçamentário de 50,1 bilhões de reais[1], anunciado pelo Governo Federal no início deste ano, pode-se afirmar que a já deficiente política agrária brasileira agora está internada na UTI.
Os dados disponibilizados pela Controladoria Geral da União, no Portal da Transparência, são reveladores, e demonstram o completo descaso do governo brasileiro com a política de reforma agrária e titulação de terras de comunidades tradicionais. A receita orçamentária do INCRA, ao longo dos últimos três anos atesta esse estado de letargia. Em 2009, a autarquia federal teve uma receita total realizada de R$ 807.130.752,33 (oitocentos e sete milhões cento e trinta mil setecentos e cinquenta e dois reais e trinta e três centavos). No ano de 2010, a receita total realizada R$ 906.941.717,03 (novecentos e seis milhões novecentos e quarenta e um mil setecentos e dezessete reais e três centavos). Um acréscimo de quase 100 milhões de reais em um ano de eleições gerais. Em 2011, com o corte orçamentário divulgado pelo Governo Federal, a receita realizada pelo INCRA caiu vertiginosamente: R$ 660.876.913,32[2] (seiscentos e sessenta milhões oitocentos e setenta e seis mil novecentos e treze reais e trinta e dois centavos). Apesar dos dados de 2011 estarem atualizados até 12 de agosto, é bastante provável que a receita total realizada não supere os valores de 2009 e 2010, tendo em vista que, tradicionalmente, o segundo semestre é um período de restrições orçamentárias ainda mais fortes do que no primeiro semestre.
Para efeitos comparativos (reforçando o entendimento de que a reforma agrária não é política pública prioritária para este governo), o FUNDO DE DEFESA DA ECONOMIA CAFEEIRA (vinculado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento) terá uma receita total, em 2011, na ordem de R$ 1.645.411.302,21 (Hum bilhão seiscentos e quarenta e cinco milhões quatrocentos e onze mil trezentos e dois reais e vinte e um centavos). Este valor representa cerca de 1 bilhão de reais a mais em comparação com o orçamento nacional do INCRA. Esta vultuosa soma será utilizada para “financiamento, modernização, incentivo à produtividade da cafeicultura, da indústria do café e da exportação; ao desenvolvimento de pesquisas, dos meios e vias de transportes, dos portos, da defesa do preço e do mercado, interno e externo”[3].
Ainda nesse sentido, informações levantadas junto ao INCRA dão conta de que, até a presente data, a presidenta Dilma Rousseff ainda não assinou NENHUM DECRETO DE DESAPROPRIAÇÃO para fins de reforma agrária.
A situação do Estado do Maranhão acompanha o cenário nacional. Em 2008, as despesas realizadas pela Superintendência Regional do INCRA no Estado somaram R$ 119.116.809,70 (cento e dezenove milhões cento e dezesseis mil oitocentos e nove reais e setenta centavos). Em 2009, o montante cresceu para R$ 128.696.392,06 (cento e vinte e oito milhões seiscentos e noventa e seis mil trezentos e noventa e dois reais e seis centavos). Contudo, em 2010, mais uma queda acentuada na execução orçamentária do INCRA do Maranhão: apenas R$ 88.990.347,13[4] (oitenta e oito milhões novecentos e noventa mil trezentos e quarenta e sete reais e treze centavos).
A política fundiária estadual segue a mesma linha de contenção de gastos. A Lei Orçamentária Anual de 2011 prevê a destinação de recursos na ordem de R$ 12.957.781,00 (doze milhões novecentos e cinquenta e sete mil setecentos e oitenta e um reais) para execução da reforma agrária e fortalecimento da agricultura familiar. Este valor corresponde, aproximadamente, a metade da quantia destinada à Secretaria de Estado da Comunicação Social (R$ 24 milhões), e um terço da quantia destinada à Secretaria de Estado do Turismo (R$ 35 milhões). O ITERMA (órgão fundiário estadual) dispõe de um orçamento de apenas 7 milhões de reais. Desde a sua criação, NUNCA houve concurso público para contratação de engenheiros, agrônomos, assessores técnicos. Segundo confidenciou um servidor, em julho o órgão dispunha de apenas 3 (três) veículos para atender toda a demanda estadual.
O cenário atual de contenção de despesas dos governos federal e estadual, que atingiram sobremaneira os chamados “gastos sociais”, ocorre em um momento de acirramento dos conflitos fundiários. Segundo o Caderno de Conflitos no Campo – Brasil 2010[5] o número de conflitos de terra[6] cresceu consideravelmente nos últimos dez anos. Em 2001, foram registrados 625 conflitos. No ano de 2004, a situação mais grave: 1398 conflitos. Em 2010 foram registrados 853 conflitos. Somente no Estado do Maranhão, foram identificados 170 conflitos pela terra, envolvendo aproximadamente 13 mil famílias[7].
Apesar da tendência de queda no número de conflitos de 2004 a 2010, um dado revela a inoperância estatal em realizar a reforma agrária. Em 2001 estavam envolvidos cerca de 2.214.930 ha (dois milhões duzentos e catorze mil novecentos e trinta hectares) nesses conflitos. Em 2010, o total de hectares envolvidos em conflitos superou a marca dos 13 milhões de hectares.
Pautando essas questões estruturais, em junho deste ano foi organizado o Acampamento Negro Flaviano, em resposta às constantes ameaças sofridas por lideranças quilombolas e a completa inércia do Estado em titulações de territórios quilombolas no Maranhão e na investigação e responsabilização de acusados da execução de Flaviano Pinto Neto, ocorrido em outubro de 2010.
Em decorrência da mobilização quilombola, uma pauta com várias reivindicações para os governos estadual e federal foi apresentada. Muitas dos pontos apresentados pelos quilombolas têm por objeto enfrentar todas essas dificuldades estruturantes que impedem a realização da reforma agrária no Maranhão e no Brasil. Em resposta à pauta apresentada pelos quilombolas, o Governo Federal apresentou um programa de ações retirados do Programa Brasil Quilombola. Contudo, ainda não se obteve uma resposta de quando essas ações serão postas em prática. As ações apresentadas pelo presidente do INCRA e pela representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário no dia 22 de junho, em São Luís, apenas tentavam resolver questões pontuais e emergenciais da situação no Maranhão.
É preciso aprofundar a discussão fundiária e reivindicar uma transformação radical no campo junto ao Estado Brasileiro. Não é possível realizar reforma agrária e desenvolver a agricultura familiar com os parcos orçamentos destinados pelos governos, privilegiando setores do agronegócio exportador. Centenas de milhões, bilhões de reais destinados pelos Governos e bancos de fomento aos grandes monocultivos de soja, cana-de-açúcar, eucalipto, enquanto a agricultura familiar, que alimenta e está na mesa da grande maioria dos brasileiros e brasileiras ainda dispõe de migalhas orçamentárias.
[1] Informação disponível no endereço eletrônico http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2011/02/28/governo-detalha-corte-de-r-50-1-bilhoes-no-orcamento-de-2011
[3] Artigo 1º do Decreto 94.874, de 15 de setembro de 1987 – Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1980-1989/D94874.htm
[5] Conflitos no Campo Brasil 2010 / CPT; organização e seleção. CDD 303.6 / 307.7
[6] Conflitos de terra são ações de resistência e enfrentamento pela posse, uso e propriedade da terra e pelo acesso a seringais, babaçuais ou castanhais, quando envolvem posseiros, assentados, quilombolas, parceleiros, pequenos arrendatários, pequenos proprietários, ocupantes, sem terra, seringueiros, quebradeiras de coco babaçu, castanheiros, faxilenses, etc. – Caderno Conflitos no Campo Brasil 2010 / CPT. p. 10.
[7] Conflitos no Campo Brasil 2010 / CPT; organização e seleção. CDD 303.6 / 307.7 p. 32.
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