quarta-feira, 14 de setembro de 2011

As contribuições dos Movimentos Sociais para a permanência e a garantia do território étnico quilombola de Alcântara

Por Maurício Paixão [1]
         Magno Cruz, em seu artigo “Alcântara: O Povo Negro Resiste”, demonstra a capacidade de interlocução dos movimentos sociais e das comunidades na reafirmação do território étnico de Alcântara. Em outubro de 2000 foi convidado pelo Instituto do Homem e Fundação Konrad Adenauer a participar da “Jornada Etnia, Raça e Gênero: A Construção da Cidadania”, na condição de comentarista, e tendo como expositora a militante negra Luíza Bairros, na sua exposição comentava-se que “em 1985/86, Mundinha Araújo, militante negra, fundadora do Centro de Cultura Negra do Maranhão e pesquisadora da História do Negro, coordenou uma pesquisa/levantamento sobre as perspectivas dos moradores que seriam ou estavam sendo deslocados para a implantação da Base Espacial. Esse material, mais tarde, transformou-se no livro “Breves Memórias das Comunidades Rurais de Alcântara”, publicado em 1990. É um livro que dói na alma de quem o lê. São depoimentos dramáticos, pungentes, molhados de lágrimas, repletos de uma saudade antecipada de tudo aquilo que ao longo de séculos foi construído pelos nossos ancestrais: culturas, saberes, religiosidades, festas, árvores, roças, picadas, moradas, cemitérios, laços familiares, sentimentos... Está ali, no livro, documentada, a insanidade brutal de um massacre étnico, ou como diria o Mestre Abdias Nascimento, o genocídio do povo negro. Talvez, coubesse intitular esse documentário como “Breves Memórias do Genocídio de um Povo”.
         Essa pequena introdução nos faz refletir sobre as contribuições significativas dos movimentos sociais que atuam em Alcântara e a capacidade de interlocução junto às comunidades quilombolas. Porém, nem sempre foi assim. A luta e resistência das comunidades de Alcântara foram, na maioria desses mais de 30 anos, uma caminhada cheia de dificuldades, marcada pela ausência do poder público municipal, estadual e federal. No início dessa luta as comunidades contaram concretamente com a solidariedade da Igreja Católica local, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alcântara (STR), hoje essa batalha ganhou vários aliados, como as dezenas de entidades que atuam conjuntamente no Fórum em Defesa do Território Étnico de Alcântara a exemplo do Centro de Cultura Negra do Maranhão, Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara, Movimento dos Atingidos pela Base, Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Alcântara, Paróquia de Alcântara, Colônia de Pescadores, SINTRAF-Alcântara,, ACONERUQ, FETAEMA, Centro de Justiça Global, COHRE, Rede Social, Gabinete do Dep. Domingos Dutra dentre outras entidades do movimento social. Em outros momentos quando o embate se agonizava outras entidades se fizeram presentes de forma pontual e deram sua parcela de contribuição. As comunidades, em que pese suas carências financeiras, foram as protagonistas de suas lutas, ultrapassando aos trancos e barrancos os entraves de suas articulações, mobilizações e participações. Entraves esses que ainda perduram até os dias atuais.
         É importante ressaltar que os quilombolas alcantarenses sempre estiveram significativa e majoritariamente representados nos seminários, audiências públicas, diálogos com governos, com assessoria dos movimentos sociais, não como meros espectadores, mas, sim, como sujeitos de sua própria história com direito a vez e voz. E, são esses quilombolas que, baseados nas conseqüências desastrosas do deslocamento das 312 famílias (1985), não admitem em hipótese alguma os novos deslocamentos previstos. Há uma decisão inarredável de resistir para permanecer na terra.
         Magno Cruz ainda afirmava que naquela época (2000) além dessas categorias, existe um movimento embrionário fomentado pelo Quilombo Urbano-Movimento Hip Hop Organizado do Maranhão e Centro de Cultura Negra, que se articulam com a juventude negra de alguns bairros da periferia de São Luís (Liberdade, Camboa, Coroadinho e Vila Embratel), onde parte dos moradores é originária das comunidades deslocadas pela Base. Esse movimento buscava suscitar a discussão sobre as reparações a tais segmentos urbanos. Com isso o Movimento Negro urbano realimenta, também, de forma mais contínua e solidária a luta dos quilombolas rurais de Alcântara.
         Nesse sentido consideramos que as inúmeras lutas dos quilombolas e entidades dos movimentos sociais local, estadual e nacional que até os dias de hoje resistem às ameaças do governo foram formas de radicalização. Não fosse essa capacidade de articulação política com certeza essa batalha já teria sido vencida pelo governo.
         Enfim, creio que essa radicalização dos movimentos sociais é necessária e fundamental para responder ao descompromisso acintoso ou velado do Governo Federal diante da gravidade que ocorre ou que virá ocorrer em Alcântara, e, constitui-se numa estratégia de abrir caminho para um diálogo dos quilombolas de Alcântara a negociar com o Estado brasileiro, não como pedinte que se satisfazem com quaisquer migalhas, mas com a dignidade, altivez e soberania que nortearam os quilombolas palmarinos e os quilombolas balaios nas suas lutas de libertação e embate com o poder opressor. E que viva a liberdade e vença a democracia.


[1] Especialista em Sociologia das Interpretações do Maranhão – Povos e Comunidades Tradicionais

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