segunda-feira, 8 de abril de 2013

No Maranhão, áreas indígenas são dizimadas por desmatadores


O Globo / Michel Filho
Índios que vivem em reserva perto de Amarante sentem-se ameaçados e chegaram a apreender caminhões que invadiram suas terras Autor: O Globo / Michel Filho
Índios que vivem em reserva perto de Amarante sentem-se ameaçados e chegaram a apreender caminhões que invadiram suas terras



No ritmo da devastação, nem índios escapam. Estado já perdeu 70% da mata nativa

O Maranhão abriga um cenário desolador na Amazônia Legal. O estado, que desmatou 71,28% de sua floresta original, pondo abaixo 105.195 km² de árvores, tem pelo menos 13 municípios vivendo de eliminar o que deveriam preservar. Pior, boa parte da mata que está sendo devastada ou é explorada ilegalmente tem dono: os índios. As terras indígenas, que por lei são de proteção integral, equivalem a 52% dos 42.390 km² de floresta ainda restantes no estado. O Maranhão tem 17 terras indígenas, onde vivem 26.062 índios, segundo o Censo de 2010. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que 13% das áreas indígenas no estado foram desmatados.

Amarante do Maranhão é uma espécie de símbolo dessa destruição. À margem das terras indígenas Governador e Arariboia, o município se acostumou a viver principalmente dos bens da floresta. Já fez riqueza com a exploração do jaborandi, espécie vegetal disponível apenas no Brasil. É famosa na cidade a história de “Nonato da Folha”, que enriqueceu como atravessador na venda de folhas de jaborandi, daí o sobrenome. Um dos livros da série “Aconteceu, povos indígenas do Brasil”, publicada pelo Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi) na década de 80, relata que, por mais de 13 anos, as folhas dessas árvores foram retiradas e destinadas a um laboratório alemão, que extraía dela a pilocarpina, um vasodilatador natural usado na fabricação de colírios.

Ainda hoje, índios mais velhos da terra indígena Arariboia lembram que não só folhas eram arrancadas, mas árvores inteiras iam abaixo, para que a extração fosse acelerada. Da quantia paga aos índios ao valor de embarque nos navios, o preço aumentava pelo menos oito vezes. Depois, houve o apogeu da extração de madeira e o interesse por outras substâncias, entre elas o óleo de copaíba, poderoso antibiótico da mata, usado em remédios anti-inflamatórios.

Sede de dezenas de serrarias e de fábricas de móveis, portas e janelas em madeira natural, Amarante do Maranhão viu a floresta acabar fora da área indígena e avançou sobre a reserva, cooptando índios em troca de R$ 50 ou R$ 100 por caminhão — cada um levando quase uma dezena de toras por vez. No início deste ano, líderes dos índios gaviões, da terra indígena Governador, decidiram dar um basta à invasão e apreenderam quatro veículos carregados. Inconformados, moradores formaram uma barricada de fogo na cidade, na tentativa de impedir que a Polícia Federal levasse os caminhões e as toras apreendidas. Mesmo sob ameaça da fiscalização, seis serrarias funcionam no município.

— Aqui agora só circula dinheiro de aposentado, do Bolsa Família e de funcionários da prefeitura. O setor de madeira está em crise — conta desolado um comerciante da cidade, que não quer se identificar.

A outra atividade econômica relevante em Amarante do Maranhão é a criação de gado, que pouco emprego gera no município de 37 mil habitantes. Só dois peões dão conta de um rebanho de mil bois.

Segundo o Ministério Público Federal no Maranhão, a situação não difere muito nos demais municípios da lista, todos vizinhos ou muito próximos a terras indígenas: Centro do Guilherme, Itinga do Maranhão, Grajaú, Barra do Corda, Jenipapo dos Vieiras, Buriticupu, Arame, Bom Jesus das Selvas, Centro Novo do Maranhão, Zé Doca e Santa Inês.
A diferença está no nível de degradação da floresta. Enquanto a mata de maior valor já foi abaixo em Amarante do Maranhão, na região mais ao Norte do estado, próxima à terra indígena Alto Turiaçu, onde fica a maior área contígua de floresta do estado, ainda prospera a venda de madeira mais nobre, com corte seletivo e rentabilidade mais alta.
Propina para liberar a entrada de caminhões.

Mesmo tendo destruído a maior parte de sua mata nativa, a extração de madeira em toras no Maranhão segue expressiva. A pesquisa Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura do IBGE, mostra que, em 2011, o Maranhão produziu 174.073 metros cúbicos, dos quais 26% saíram justamente dos 13 municípios vizinhos às terras indígenas.

Grajaú foi o maior produtor de carvão em 2011. No ranking dos 20 maiores produtores do país estão Barra do Corda e Centro Novo do Maranhão. O problema é que parte da madeira que vira carvão sai das áreas protegidas. Basta percorrer as terras indígenas para ver dezenas de ramificações de estradas abertas por madeireiros.

A situação de descalabro é tão grave que o ex-prefeito de Maranhãozinho foi indiciado pela Polícia Federal em dezembro passado. Josimar Cunha Rodrigues foi acusado de cobrar R$ 150 por caminhão para liberar a entrada nas áreas indígenas. Pela barreira montada pela prefeitura só passavam caminhões cadastrados e com tíquete de pagamento da propina.

— Fiscalizar é como enxugar gelo. Se o Estado não oferece alternativas de sobrevivência aos municípios, é difícil sair do cenário de desmatamento. E a situação tende a se agravar, pois a população dessas áreas aumenta e as políticas públicas não chegam. — avalia Thaís Dias Gonçalves, coordenadora geral de monitoramento territorial da Funai.

Por: O Globo

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