sábado, 14 de janeiro de 2012

Em busca dos Awá-Guajá. Diário de uma expedição à Araribóia.


Partimos em direção a mais uma missão em defesa dos direitos humanos. Nesta empreitada, fui acompanhado do meu colega Luís Antonio Pedrosa, pela OAB/MA e Rosimeire Diniz, do CIMI/MA. Nosso destino: território indígena Araribóia, situado nos municípios de Arame, Amarante e Grajaú.

Depois de 6 horas de viagem, chegamos à cidade de Grajaú, uma das “portas de entrada” para o território Araribóia. No caminho, logo após a cidade de Barra do Corda, entramos na terra indígena Cana Brava, formada por uma população de cerca de 6000 indígenas (CIMI, 2008).

Formada por dezenas de pequenas aldeias espalhadas por 137 mil hectares, cortada ao meio pela BR 226 e pelas linhas de transmissão da Eletronorte, é visível o estado de abandono que muitos indígenas se encontram naquele território. Ao longo de todo o trajeto, casas de pau a pique são apenas a faceta mais evidente dessa situação. Após décadas de exploração do território por madeireiros e grandes fazendeiros, os recursos naturais estão praticamente esgotados.

Durante o percurso na BR 226 dentro do território Cana Brava, encontramos uns 8 pontos de "pedágio". Consistem em cordas estendidas de um lado a outro da rodovia. Em cada ponta, mulheres, idosas e crianças solicitavam dos motoristas contribuições. Um terrível estado de mendicância.

 O "pedágio" não é obrigatório. Quando o veículo parava junto à corda, ela ficava estendida cerca de 5 segundos. Com o transcorrer desse tempo e o sinal negativo dos ocupantes, as indígenas e as crianças baixavam o "pedágio" e era possível seguir viagem.

Saindo do território Cana Brava, poucos quilômetros à frente, encontramos uma extensa plantação de eucalipto, e uma constatação é imediata: essa monocultura está tomando conta do Estado do Maranhão. Com exceção da região da Baixada, o cultivo do eucalipto destinado à fabricação de carvão vegetal para alimentar os fornos das siderúrgicas, à produção de celulose e de “pellets” (madeira prensada utilizada na produção de energia “limpa” na Europa), já é uma triste realidade que afeta várias regiões, ecossistemas, culturas e povos.

No meio da tarde, chegamos a Grajaú. Como é típico desta época do ano, o tempo estava nublado e bastante abafado. O calor era quase insuportável. Para nossa sorte (e creio, de todos os grajauenses) uma agradável e refrescante chuva despencou sobre a cidade, amenizando o calor e tornando a noite muito mais companheira de um bom descanso. Este era extremamente necessário, tendo em vista o cansaço da viagem desde São Luís e o que nos aguardava no dia seguinte.

Às 4 da manhã de quinta feira, 12, já estávamos de pé. 40 minutos depois, saímos de Grajaú em direção à terra indígena Araribóia, enfrentando a traiçoeira MA 006. A rodovia estadual é bastante estreita, com asfalto irregular, cheia de curvas em subidas e descidas de morros. Para completar o cenário, a vegetação avançava em direção à rodovia, tornando o cenário belo, mas ao mesmo tempo, bastante perigoso. Durante o percurso, visualizamos uma placa do Governo do Estado do Maranhão afirmando que a via está em recuperação. Não vi nenhuma máquina para a realização deste serviço.

O dia já ia amanhecendo quando saímos da MA-006 e entramos em uma estrada vicinal de piçarra, já no interior da terra indígena. Às 06:30h chegamos na aldeia Vagem Limpa, formada por índios Guajajaras. A perpetuação da língua-mãe dos guajajaras, teneteara, da família do Tupi-Guarani, ainda é um dos aspectos mais presentes de sua cultura. Por outro lado, o avanço das religiões neopentecostais retira boa parte das outras tradições dos povos indígenas.

Depois de uma conversa com dois guajajaras, saímos em direção à mata fechada, o que resta de floresta pré-amazônica na terra indígena Araribóia. Sem falsa modéstia, a trilha é bastante pesada. É preciso superar árvores caídas, cipós com espinhos, insetos e um terreno bastante íngreme em alguns pontos.
                                       Placas dos índios tentam impedir desmatamento

Após duas horas e meia de caminhada, chegamos ao primeiro ponto de extração ilegal de madeira. Um acampamento-base estava sendo montado pelos madeireiros. Grandes toras estavam pelo caminho, à espera de serem retiradas para comercialização. Depois de tudo fotografado e localizado através do GPS, continuamos nossa jornada em busca dos vestígios dos Awá-Guajá ainda isolados.

Mais uma hora e meia de caminhada, chegamos ao local apontado pelos Guajajaras. Mais uma vez, encontramos árvores derrubadas pelos tratores. Também nos deparamos com vários vestígios da presença dos Awá isolados. Cipós trançados em árvores, marcas de machados de pedra, restos de pequenas fogueiras e vários pontos de extração de mel no interior do caule das árvores. Para quem conhece, não existem dúvidas: aqueles são indícios claros da presença daquele povo. Sobre o que foi encontrado e as providências que serão tomadas, leia aqui e aqui

Hora de retornar para a aldeia Vagem Limpa. Já se aproximava das 11 da manhã, e enfrentaríamos mais 3 horas de caminhada pela mata. Solicitamos ao guajajara um caminho mais “curto e menos íngreme”. Impressionante como os indígenas tem habilidade para nadar naquele ambiente, para nós, hostil. Nosso estoque de água, bananas e barras de cereal terminou faltando ainda cerca de uma hora e meia de caminhada. Estávamos bastante cansados. As pernas já não obedeciam mais aos comandos do cérebro. Na parte final do trajeto, tropeçávamos nos galhos, pedras e troncos pelo chão. Após quase 7 horas de uma pesada, às 14:10h, chegamos novamente à aldeia Vagem Limpa.

                                               
                                                  Proteção do Estado é ineficiente

Se você é um daqueles que acham que “todo índio é preguiçoso”, desafio a enfrentar o que enfrentamos. Até as pessoas com um bom condicionamento físico sentem o cansaço físico e mental. Durante todo esse tempo, os dois indígenas que nos acompanhavam não demonstraram qualquer sinal de cansaço. Não ingeriram água. Alimentaram-se apenas de uma banana, cada, e de mel natural extraído do interior uma árvore. Experimentei o mel selvagem, sem qualquer tipo de corante, aromatizante ou conservante. Mais natural, impossível. Resultado? Um alimento extremamente nutritivo e diferente do mel que compramos nas farmácias e supermercados. Delicioso.

Final da tarde. Hora de retornar a São Luís. Findamos nossa expedição rumo à Araribóia, com a mais absoluta certeza da omissão e/ou inércia do Estado em proteger nosso patrimônio cultural, nosso patrimônio ambiental, e mais do que isso, proteger os filhos legítimos deste pedaço da mãe-terra chamado Brasil.

Por Igor Almeida.




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