terça-feira, 6 de março de 2012

Dois Sezinaldo's e a Justiça

Dez da manhã. Chego ao fórum de Cuiabá para analisar alguns processos, e de imediato sou informado que o expediente para atendimento a advogados e ao público em geral (não gosto desta distinção, que ainda é feita em várias secretárias judiciais) só inicia ao meio dia. O dia parece não começar bem.

Recebida a notícia, sento em uma cadeira na porta do fórum, tentando organizar meus papéis para o período da tarde. Logo após, chega um senhor de meia idade, aparentando ter  uns 45 anos, que também não sabia que o atendimento judicial só começava no período da tarde. Vejo a frustração espantada no seu rosto. Ele senta ao meu lado. Era Sezinaldo.

Ainda atento aos meus papéis, resolvendo o que ia fazer naquele intervalo de duas horas, Sezinaldo começa a puxar conversa comigo. A primeira pergunta é se eu sou advogado. Ao responder positivamente, ele começa a contar sua estória.

Conta ele que foi vítima de uma grande injustiça cometida pelo Estado de Mato Grosso. Sezinaldo afirma que um homem, que nem se parece com ele, foi preso há cerca de 3 anos, suspeito de ter cometido roubos e furtos. O suspeito não portava nenhum documento civil. Quando interrogado sobre sua identidade, o suspeito deu o nome completo, RG e CPF de Sezinaldo. Este não sabe como o suspeito conseguiu essas informações.

Sezinaldo, que mora a milhares de quilômetros de Mato Grosso (interior de São Paulo), claro, começou a ter problemas por causa disso.

O principal deles: a perda do direito ao trabalho. Sezinaldo, que trabalhava em uma empresa que transportava itens e objetos de grande valor, acabou sendo demitido depois que a empresa descobriu que existia um mandado de prisão contra ele, expedido pela Justiça de Mato Grosso. Mesmo explicando toda a situação, a empresa não voltou atrás em sua decisão.

Ele, de São Paulo, chegou a contratar um advogado em Cuiabá para resolver sua situação. Não logrou êxito. O advogado abandonou a causa.

Algum tempo depois, conseguiu conversar com um promotor do MP/SP. Este informou que o "outro" Sezinaldo já estava preso, e que, inclusive, tinha confessado que tinha fornecido nome e dados falsos à polícia mato-grossense, e já tinha sido corretamente identificado.

Sabendo disso, Sezinaldo, ainda desempregado, casado, não hesitou em vir a Cuiabá para tentar resolver a situação.

Apesar de todas as dificuldades financeiras, veio de avião (tendo em vista a urgência do caso) e está pagando um pequeno hotel para tentar resolver a situação. Sezinaldo aguardava o início do horário de atendimento judicial para colher mais informações do processo. Logo após, orientei para que procurasse a defensoria pública para que esta agisse de imediato. Sezinaldo pensa ainda em processar o Estado de Mato Grosso por tudo que tem passado.

Sezinaldo espera sair "resolver" essa injustiça em uma semana, tempo que irá durar seu dinheiro para pagar suas despesas em Cuiabá.

Situações como a de Sezinaldo não são incomuns. Vez ou outra, reportagens chamam a atenção para situações como a dele. Gente que perde família, emprego, toda uma vida construída com o árduo suor no rosto em virtude de um erro do Estado. E ainda tem que pagar (literalmente) por isso.


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