Não queria escrever nada sobre os eventos culturais (sejam capitaneados pela Prefeitura Municipal ou pelo Governo do Estado) que marcam as homenagens ao aniversário da cidade de São Luís, patrimônio da humanidade. Essa não é a minha praia. Mas um fato ocorrido ontem não poderia passar em branco.
Ontem, 08 de setembro, comemorou-se o dia da chegada dos franceses à Ilha de Upaon-Açu em 1612, iniciando assim a colonização exploratória dos europeus nesta parte do Brasil.
Para marcar esses 400 anos, o Governo do Estado gastou milhões de reais, trazendo para São Luís grandes espetáculos nacionais. Na programação oficial, Gilberto Gil, Ivete Sangalo, Zezé de Camargo e Luciano, Zeca Pagodinho, Alcione, Orquestra Sinfônica Brasileira e Rita Ribeiro (agora, Rita Benneditto). Completando esse time estelar, ontem subiu ao palco da Lagoa da Jansen o cantor Roberto Carlos.
Segundo ampla divulgação realizada pelo Governo, todos os shows (repito, realizado com investimentos do Estado - portanto, dinheiro público) eram/são gratuitos e abertos ao público em geral.
Mas no Maranhão, parece que público em geral não tem conotação tão geral como em outros lugares.
Assim como aconteceu no primeiro dia (01/09), com o show do baiano Gilberto Gil, os melhores locais do show "gratuito e aberto ao público em geral" estava marcado. Uma área VIP, com cadeiras previamente marcadas, estava destinada a "personalidades", seja lá o que isso quer dizer.
Ontem, no show de Roberto Carlos, não foi diferente. Uma grande quantidade de cadeiras plásticas (alguns presentes estimam em mais de mil) estava reservada a estas tais "personalidades". Pessoas que chegaram cedo ao local do show (por volta das 17 horas) ficaram distantes do palco, porque alguns "felizardos", mesmo podendo chegar em cima da hora do show, ficariam ali no burburinho. Abaixo uma foto feita por um "comum do povo".
Área VIP no show de Roberto Carlos
Segundo relatos de alguns presentes, à medida que os VIP´s ingressavam na área reservada, eram recepcionados com sonoras vaias dos pobres plebeus.
Falando em plebeus, além desse constrangimento por parte dos populares, as "personalidades" também devem ter ficado constrangidas quando a cantora maranhense Ana Torres (que realizava um dos shows de abertura) em dado momento, dirigindo-se à platéia comportada das cadeiras, disse:
" -Vocês aí da realeza também podem cantar! E vocês aí, povo de Deus, dou um alô para os plebeus!". Claro. Foi ovacionada pelos pobres mortais do fundão.
Alguns devem achar essa segregação normal. "Ah, as autoridades, o pessoal do STAFF, os patrocinadores, as empresas, tem direito, pois foram eles que trouxeram o artista", argumentam seus defensores. A sociedade persiste em criar mecanismos de separação entre aqueles que possuem alto poder econômico e os que não possuem, mesmo que o show seja "gratuito e aberto ao público em geral". Continuamos produzindo cidadãos de primeira, de segunda e de terceira classe.
Como alguém consegue achar normal esse tipo de situação? Alguns "felizardos" estão sendo privilegiados com um evento pago com dinheiro PÚBLICO, enquanto o PÚBLICO em geral se espremia junto às grades de proteção. Ah, claro! Roberto Carlos não poderia distribuir rosas ao final do show a qualquer um do povo...
Em 1612, os franceses dominaram os indígenas. Anos depois, os portugueses começaram a trazer os negros escravizados, também dominados. Em 2012, os políticos, empresários e autoridades zombam da própria plebe e continuam utilizando os mesmos instrumentos de dominação desde a Grécia Antiga.
E viva os 400 anos de provincianismo!
Texto esplêndido. Parabéns Ana Torres pela coragem!! E maldita política do Pão e Circo...
ResponderExcluirObrigado, Paola.
ExcluirObrigado, Arthur. Apenas algumas palavras rápidas expressando indignação pelo uso da máquina pública para privilegiar a "nobreza" de SLZ...
ResponderExcluirIgor, pensei o mesmo. Fiquei indignada com isso!
ResponderExcluirIsso é prática comum em terras tupiniquins e em qualquer evento público, principalmente na provincia de Upaon-Açu, lembro que no São João a Praça Maria Aragão, ficou com o espaço extremamente restrito pois era área VIP para os VIPS, Área VIP para Turista (Conceito intrínseco que de que o "de fora" é melhor, como se a cidade pudesse ser boa para o Turista sem ser antes boa para o cidadão que nela vive e paga seu impostos) e desde, então o Espaço Anti-Cultural também foi transformado em área VIP. A necessidade que essas pessoas sentem em se sentirem especiais e mais importante revela o ranço colonialista que ainda hoje persiste em nossas mentes. 400 anos de história e muito pouco de evolução.
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