segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

SMDH protocola representação por regularização fundiária em Santa Quitéria

A Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH) protocolou junto à Promotoria de Justiça da Comarca de Santa Quitéria/MA, representação na qual requer a imediata regularização fundiária para comunidades tradicionais da referida cidade e também do município de Milagres (termo da comarca).

Na representação, a SMDH relata a estória das comunidades de Coceira, Baixão da Coceira, Lagoa das Caraíbas e Bracinho, seu modo de vida tradicional, costumes, preservação do ecossistema local, e toda a resistência que essas comunidades tem realizado frente às investidas da empresa SUZANO Papel e Celulose em se apossar dos seus territórios seculares. O conflito dessas comunidades com a empresa vem ocorrendo dentro e fora do Poder Judiciário.

Outro ponto da Representação apresentada ao Ministério Público local diz respeito ao estado de excessiva morosidade do ITERMA (órgão fundiário do Estado) na regularização fundiária das comunidades já mencionadas, mas também de outras, como Alto Formoso e Tabatinga, também no município de Santa Quitéria, e Lagoa Seca e Santa Helena, no município de Milagres/MA.

Em virtude da instabilidade política no órgão, praticamente nenhum trabalho de regularização foi realizado. Poucas vistorias e ações concretas foram feitas em algumas comunidades, no período próximo do Carnaval deste ano. A partir daí, nada mais foi encaminhado pelo ITERMA.

Segue abaixo texto da Representação apresentada ao Promotor de Santa Quitéria:


"A SOCIEDADE MARANHENSE DE DIREITOS HUMANOS, pessoa jurídica de direito privado, de CNPJ n. 05.761.069/0001-51, reconhecida como de utilidade pública pela Lei Estadual n. 4.868A/88 e pela Lei Municipal n. 3.068/90, sediada na Av. Marechal Castelo Branco, n. 697 altos, Bairro São Francisco, CEP: 65.076-090, São Luis/MA, vem, mui respeitosamente, informar o que segue:

DOS FATOS E FUNDAMENTOS
DAS COMUNIDADES DO PÓLO COCEIRA

A SMDH, desde o mês de setembro de 2008 acompanha sócio-juridicamente as comunidades de Coceira, Baixão da Coceira e Lagoa das Caraíbas, no município de Santa Quitéria em conflito pela posse de suas terras com a empresa SUZANO PAPEL & CELULOSE.

Essas famílias residem e laboram naquela área há, pelo menos, três gerações, vivendo exclusivamente da agricultura familiar, criação de pequenos animais e extrativismo vegetal, principalmente do bacuri e do pequi, espécies típicas da região. Contudo, com a expansão desenfreada da monocultura de soja e de eucalipto na região, já não se encontram com muita facilidade essas espécies, prejudicando sobremaneira a complementaridade do ciclo produtivo dessas famílias. Além disso, as áreas agricultáveis estão sendo reduzidas ao longo dos anos, tendo em vista esta expansão.

Ocorre que em meados dos nos de 1980, a região de Santa Quitéria e municípios adjacentes vem sofrendo uma grande expansão da cultura de eucalipto, que, depois de cortados,  servem exclusivamente para alimentar os fornos das empresas siderúrgicas do Maranhão, causando severos impactos sócio-ambientais. Vide o que acontece atualmente no município de Açailândia, que sofre impactos gravíssimos desse processo de “desenvolvimento” desenfreado, sem qualquer medida eficaz que garanta a preservação dos recursos naturais e a sustentabilidade das comunidades.

A partir do dia 29 de abril de 2009, a Comercial Agrícola Paineiras/SUZANO iniciou um trabalho de supressão de vegetação nas comunidades vizinhas às dos requerentes, que fazem parte do Pólo Coceira. Sabendo desta atitude, as associações e seus moradores das comunidades de Baixão da Coceira, Coceira, e Lagoa das Caraíbas, ocuparam os limites que estabeleceram entre si das suas terras, e NO DIREITO LEGÍTIMO DE RESISTÊNCIA, DE LEGÍTIMA DEFESA DE SEUS TERRITÓRIOS E DE SUAS POSSES, acamparam, e, de DE FORMA PACÍFICA, SEM QUALQUER DEPREDAÇÃO AO PATRIMÔNIO DA EMPRESA CONTRATADA PARA OS SERVIÇOS, conseguiram impedir o trabalho de desmatamento em suas terras, o que não aconteceu nas comunidades que não resistiram a essa grave violação aos direitos de seus territórios.

Essa reação legítima das comunidades acabou despertando atenção da diretoria do Grupo Suzano Papel & Celulose, que deslocou dois integrantes até as comunidades referidas no dia 12 de maio daquele ano, a fim de fechar um “acordo” com as mesmas. Apresentaram sua proposta de promover melhorias nas comunidades. Estas não aceitaram, tendo em vista o legítimo direito à posse que lhes assiste. Propuseram então aos diretores da empresa Suzano que só se reuniram novamente com eles na presença dos órgãos responsáveis pela política fundiária, das entidades que lhes prestam assessoria e do MPF e MPE, além de requererem uma ação discriminatória na área, a fim de delimitar as terras, identificando-as, com o objetivo de arrecadá-las e/ou desapropria-las em favor das comunidades.

Tendo em vista a posição das comunidades, os representantes da Suzano (o Sr. Márcio e o Sr. Demerval) fecharam acordo, perante mais de 100 pessoas presentes nessa reunião, e deram suas palavras de que a empresa requerida não iria adentrar nas áreas delimitadas pelas comunidades, e que essas, juntamente com o Fórum em Defesa do Baixo Parnaíba, e a própria Suzano Papel & Celulose se comprometeriam em procurar os órgãos responsáveis para regularizar a situação daquelas terras antes de promoveram qualquer ato de desmatamento.

Contudo, a empresa não cumpriu com o acordo. Em 27 de maio de 2009, a empresa ingressou com uma Ação de Reintegração de Posso contra “Francisca e Sebastião”, moradores do Pólo Coceira, obtendo, a princípio, liminar favorável. Após intervenção da assessoria jurídica da SMDH, agravando da decisão e contestando a exordial, a liminar foi revogada. Atualmente, em sede judicial, as comunidades de Coceira, Baixão da Coceira e Lagoa das Caraíbas encontram-se com seu direito possessório assegurado.

Até a presente data, foram realizadas reuniões com representantes da empresa, das comunidades, do Fórum em Defesa da Vida do Baixo Parnaíba Maranhense e das entidades de assessoria (Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, Centro de Cultura Negra do Maranhão e Fórum Carajás) na tentativa de conciliar interesses, mas elas não têm avançado, principalmente em virtude da indefinição quanto a regularização fundiária das comunidades.

DA COMUNIDADE DE BRACINHO

A Comunidade tradicional de Bracinho, neste município, é composta por cerca de 39 famílias, que residem há várias décadas numa área de cerca de 3.390 hectares. Os moradores mais antigos, com cerca de 70, 80 anos relatam que nasceram e se criaram nas naquelas terras, convivendo de modo pacífico e harmonioso com o ambiente local.

Os moradores da comunidade relatam que o Sr Gabriel Alves de Araújo nasceu na área e faleceu com 87 anos, assim como outros trabalhadores ali residentes. É cristalino, em conversas com essas pessoas, e analisando a estrutura da comunidade e as benfeitorias realizadas tanto por particulares quanto pelo poder público, que essas famílias detém a posse (ressalte-se mais uma vez, bastante antiga) mansa e pacífica da região.

No ano de 2010, mediante requerimento da Associação Comunitária Gabriel Alves de Araújo, que representa a comunidade de Bracinho, foi aberto um procedimento de regularização fundiária no Instituto de Terras e Colonização do Maranhão – ITERMA.

O processo, sob o n. 1254/2010, encontra-se com andamento regular na autarquia estadual. No dia 22 de setembro de 2010, o técnico do ITERMA, José Lins Rodrigues Filho elaborou o mapa cartográfico da Gleba. Segundo medição do ITERMA, a área georreferenciada pertencente à comunidade é de 3.390,1741 hectares. Na elaboração do mapa cartográfico, ocorreu um equívoco por parte do órgão fundiário estadual, tendo em vista que consta que o imóvel seria pertencente ao município de Urbano Santos, quando, na verdade, pertence ao município de Santa Quitéria, conforme demonstra certidão cartorial em anexo.

Contudo, a paz harmoniosa que a comunidade desfrutava foi radicalmente quebrada em virtude da chegada dos grandes projetos de monoculturas na região do Baixo Parnaíba, em especial do danoso monocultivo de eucalipto da empresa requerida.

No dia 17 de maio do corrente, a comunidade foi surpreendida com as ações violentas da empresa em seu território. Conforme Boletim de Ocorrência n. 274/2011, registrado na Delegacia desta Comarca, o representante da empresa SUZANO PAPEL & CELULOSE, de nome Demerval, em conjunto com outras pessoas, máquinas e com seguranças armados da empresa CLASI tentaram invadir uma área de roça da comunidade, a fim de realizar desmatamento para plantio da monocultura de eucalipto. No legítimo direito de resistência e de defesa de seu território, as comunidades conseguiram impedir o desmatamento que pretendia a empresa. Os trabalhadores rurais ressaltam que essa não foi a primeira tentativa de invasão do território por parte da empresa. No ano de 2010, episódio semelhante aconteceu, tendo a comunidade conseguido impedir o desmatamento e a preservação de lagoas e riachos importantes que abastecem o Rio Preguiças, importante ponto turístico da região dos Lençóis Maranhenses.

Na primeira tentativa de invasão do território por parte da empresa, os funcionários da mesma estavam realizando trabalhos de abertura de estrada e de limpeza das chapadas, trabalhando na construção de variantes para desmatar a área. Sabendo disso, a comunidade procurou os funcionários e solicitaram para que parassem os trabalhos da empresa, o que acabou acontecendo.

Na segunda tentativa, também no ano de 2010, funcionários da empresa teriam aparecido na área para colocar veneno nas terras de chapada para afugentar formigas e demais insetos (primeiro passo para realizar o trabalho de desmatamento). A colocação desse veneno na área se deu muito próxima às casas dos trabalhadores, em uma distância que não supera 01 (hum) quilômetro. Nessa tentativa, os requerentes procuraram novamente os funcionários (cerca de 40), afirmando que não poderiam realizar essa colocação do veneno, e que o mesmo estava afetando os moradores da comunidade. Após nova solicitação da comunidade, os empregados pararam com o serviço.

Nesta última tentativa de invasão do território por parte da empresa (no dia 17 de maio do corrente), os requerentes e demais moradores da comunidade descobriram, por acaso, que funcionários da empresa e os seguranças armados estavam prestes a realizar o trabalho de desmatamento. Eram cerca de 10 pessoas e mais 4 seguranças armados, auxiliados por 4 carros pequenos e uma máquina para realizar o desmatamento. Para exercer o direito de resistência e defesa do seu território, cerca de 30 pessoas da comunidade (incluindo mulheres grávidas, idosos e crianças).

No transcorrer da ação, um dos seguranças chegou a disparar, para o alto, uma arma. Com o tiro, uma das mulheres chegou a passar mal e desmaiou, sendo socorrida pelas outras pessoas da comunidade.

A partir da resistência da comunidade, a empresa cessou as atividades na área pertencente à comunidade. Alguns representantes da requerida, a partir disso, passaram a ameaçar as pessoas da comunidade.

Os moradores da comunidade sempre realizaram seus trabalhos de roça e extrativismo na área há várias décadas. Os moradores mais antigos nasceram e se criaram naquele território. A terra sempre foi explorada por eles e demais pessoas da comunidade de modo sustentável, e é por isso que, até hoje, a vegetação nativa encontra-se em pé, fornecendo alimentos e riqueza para aquele povo e preservando os braços de rio que fornecem água para o Rio Preguiças, patrimônio natural dos Lençóis Maranhenses.

Em virtude de todo esse conflito, a SMDH ingressou com Interdito Proibitório (363/2011, vara única da comarca de Santa Quitéria) em face da empresa SUZANO Papel e Celulose, a fim de garantir, judicialmente, a proteção possessória em favor da comunidade.

DA TENTATIVA DE AUDIÊNCIAS COM O ITERMA

Como decorrência natural do processo de regularização fundiária, as comunidades do Pólo Coceira requereram ao ITERMA a regularização de suas terras (Processos 3892/2010, 3887/2010, 3888/2010), no mês de novembro de 2010. A comunidade de Bracinho também já possui processo solicitando a regularização em nome da comunidade (1254/2010).

No dia 15 de fevereiro de 2011, as referidas comunidades, em conjunto com a SMDH, participaram de audiência pública com o ITERMA, tendo ficado compromissado junto ao órgão fundiário que:

1 – Quanto as áreas de Lagoa das Caraíbas, Baixão da Coceira, São José, Lagoa Seca e Santa Helena (estas últimas de Milagres), foi informado pelo ITERMA que essas áreas já estavam matriculadas em nome do Estado do Maranhão, e que, para finalizar o processo de regularização em nome das Associações, o órgão comprometeu-se em finalizar o processo de citação dos confrontantes (prazo estipulado: 31 de março do corrente); solicitar a certificação junto ao INCRA e posterior titulação;
2 – Quanto às áreas de Alto Formoso, Sucuruju, Tabatinga e Pau Cerrado, o ITERMA comprometeu-se em realizar as vistorias nas áreas logo após o carnaval, ou seja, também no mês de março de 2011;
3 – O ITERMA se comprometeu em informar ao juízo de Santa Quitéria e tomar providências judiciais quanto ao desmatamento ocorrido nas Glebas União 1 e 2, no município de Milagres. Áreas já matriculadas em nome do Estado do Maranhão.

Em reunião realizada no dia 20 de julho do corrente, as 10 horas da manhã, na sede da SMDH, as comunidades informaram que:
1 – O ITERMA realizou a medição nas comunidades de Tabatinga e Pau Cerrado, e também a identificação dos confrontantes das comunidades de Santa Helena e Coceira;
2 – Informaram as comunidades que não foi realizado o trabalho de identificação dos confrontantes nas comunidades de São José, Baixão da Coceira e Lagoa Seca. Esse trabalho foi iniciado na comunidade de Lagoa das Caraíbas.
3 – Que o compromisso de vistoria nas comunidades de Alto Formoso e Sucuruju não foi concretizado.

Assim, no dia 20 de julho do corrente, as 15 horas, as referidas comunidades, a SMDH e o Centro de Defesa e Promoção dos Direitos da Cidadania de Santa Quitéria/MA, foram recebidas pelo presidente do ITERMA para mais uma audiência, de monitoramento dos compromissos firmados e construção de novas agendas de trabalho.

Logo de início, o presidente afirmou que não era mais o dirigente do órgão, que seria substituído por outra pessoa. Em virtude disso, o objetivo de firmar novos compromissos restou frustrado, decepcionando as lideranças comunitárias presentes. Tentou-se nova reunião no mês de outubro, também sem sucesso tendo em vista a indefinição quanto à direção do órgão fundiário estadual.

DOS PEDIDOS:
Assim, diante de todo o exposto, vem a SMDH solicitar:
1 – Intervenção do Ministério Público desta comarca nas ações possessórias nas quais estão envolvidas as comunidades retromencionadas, por envolver conflito coletivo pela posso da terra (art. 82, III, CPC);
2 – Investigação em relação as denúncias de processo de grilagem de terras envolvendo a empresa SUZANO Papel e Celulose, requerendo, inclusive, a apresentação da cadeia dominial de todas as propriedades que ela alega ser sua;
3 – Investigação quanto as denúncias de corte ilegal de espécies nativas da região (tais como Pequi, Bacuri, Murici), protegidas por instrumentos normativos;
4 – Investigação quanto a regularidade e atuação da empresa de segurança privada Clasi, contratada pela SUZANO para garantir a “proteção” de seus campos de eucalipto;
5 – Atuação deste parquet para cobrar do ITERMA a imediata regularização fundiárias das comunidades aqui mencionadas, em processo de acompanhamento sócio-jurídico da SMDH (Coceira, Baixão da Coceira, Lagoa das Caraíbas, Santa Helena, Lagoa Seca, Alto Formoso, Tabatinga e Bracinho).

São Luís, 02 de dezembro de 2011.


VICENTE CARLOS DE MESQUITA NETO
Presidente do Conselho Diretor da SMDH

  
IGOR MARTINS COELHO ALMEIDA
OAB/MA 8505
Assessor Jurídico

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