Nos dia 19 de fevereiro aconteceu reunião na comunidade quilombola de Santa Rosa dos Pretos (Itapecuru-Mirim) para discutir, em conjunto com a Fundação Cultural Palmares e o INCRA, a duplicação da estrada de ferro Carajás, no trecho que passa pelas comunidades de Santa Rosa e Monge Belo, em Itapecuru, e em comunidades quilombolas do município de Santa Rita/MA.
A VALE pretende duplicar a estrada de ferro Carajás para poder escoar a grande produção de minério de ferro, a fim de atender a atual demanda do mercado mundial. Em São Luis, a VALE já constrói, a pleno vapor, o Pier IV do Porto da Madeira, que possibilitará o aumento da exportação do minério oriundo de Carajás/PA.
Segundo informações do INCRA/MA, a VALE não interferiu em nenhum momento do processo de titulação das referidas comunidades, com exceção da fase de contestação. A mineradora alegou que a área demarcada pelo INCRA se sobrepunha à área pertencente à empresa. Se a contestação da VALE não for julgada procedente, ela ameaça ingressar com ação judicial para anular todo o processo de titulação, obrigando a autarquia federal a iniciar o processo desde o seu início (inclusive refazendo todo o laudo antropológico da comunidade).
Quando a VALE requereu ao IBAMA o licenciamento ambiental para duplicação da ferrovia (o licenciamento, diga-se de passagem, foi realizado de forma fracionada. Não considerou toda a extensão da estrada de ferro. O processo de licenciamento ocorre por trechos), o órgão ambiental, verificando a existência de comunidades quilombolas, condicionou a expedição da licença a um parecer emitido pela Fundação Cultural Palmares “autorizando” a obra. Ressalte-se que a FCP não é órgão representativo das comunidades quilombolas. Não é possível à FCP falar em nomes das comunidades. Isso fere, gravemente, a Convenção 169 da OIT, ratificada pelo Brasil.
A partir dessa condição dada à FCP, foi indicada uma reunião entre a Palmares, o INCRA e as comunidades para discussão do Projeto. Na reunião ocorrida no último sábado, a antropóloga da FCP ouviu dos quilombolas presentes à reunião todos os impactos da linha férrea. Para quem acha que uma simples estrada de ferro não causa graves impactos, segue relato:
“para nós não interessa passarela, deveriam ser construídos viadutos (no trecho referente a Monge Belo, são necessários dois viadutos) porque por diversas vezes ocorreu de o trem ficar parado horas e até dias por problemas técnicos e a comunidade não poder passar, inclusive com casos de pessoas doentes que ficaram impossibilitadas de serem socorridas. A VALE acabou com a estrada da comunidade e [eles] não ajeitaram. O projeto que tem para melhorar as vias de acesso da comunidade somente contempla aquelas vias que levam à ferrovia. As passagens de nível são precárias; no inverno as pessoas não conseguem passar porque ficam alagadas. A empresa não dialoga com a comunidade; quando fala é individualmente. Desde a última reunião [ocorrida entre a empresa e a comunidade no dia 28 de janeiro] em que a empresa apresentou o seu projeto de duplicação, não conversou mais com a comunidade.” (relato de morador da comunidade de Monge Belo).
Ademais, moradores dessas comunidades e de outras relatam que a empresa, mesmo sem licença ambiental expedida, já teria iniciado, às escondidas, as obras de duplicação da ferrovia. Tais denúncias são graves e devem ser apuradas. Se comprovadas, a VALE atinge frontalmente a legislação ambiental brasileira, devendo o Estado aplicar-lhe as sanções administrativas e judiciais cabíveis. A anulação do processo de licenciamento ambiental é uma dessas sanções.
É claro que a empresa tem todo o interesse em atrasar o processo de titulação da comunidade. Se elas já fossem tituladas pelo Estado, ela seria obrigada a indenizar as comunidades pela passagem da estrada de ferro em seus territórios. A omissão/lentidão do Estado em cumprir mandamento constitucional (art. 68 ADCT) e a legislação internacional cabível, continua ocasionando os conflitos vivenciados pelas comunidades quilombolas, seja com grileiros e fazendeiros, seja com grandes empresas e multinacionais, como no caso da VALE.
Voltando à reunião do dia 19. Feitas as explanações da FCP e do INCRA, a comunidade se manifestou relatando os inúmeros problemas ocorridos desde a implantação da estrada de ferro Carajás. Ao final da reunião, em virtude de todas as colocações apontadas na reunião, a Palmares comprometeu-se em não emitir nenhum “parecer” ao IBAMA antes de uma audiência pública promovida pelo Ministério Público Federal, ainda a ser agendada. Além disso, quando da elaboração do Parecer, antes de ser encaminhado ao IBAMA, a FCP enviará o mesmo às comunidades afetadas para que as mesmas possam analisá-lo detidamente e verificar se suas manifestações estão ali expressadas.
Pode parecer discurso vazio, mas é fato. Se o Estado tivesse procedido conforme mandamus constitucional, a VALE, provavelmente, não enfrentaria a briga com as comunidades pela duplicação da estrada. Como as mesmas ainda não tem garantido, formalmente, a propriedade de suas terras, a mineradora se aproveita dessa lacuna para realizar seus empreendimentos sem ter que pagar as indenizações devidas.
E a tudo isso a VALE chama de responsabilidade sócio-ambiental.
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