quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

VALE CONTESTA PROCESSOS DE TITULAÇÃO DE COMUNIDADES QUILOMBOLAS NO MARANHÃO PARA DUPLICAR FERROVIA CARAJÁS

Nos dia 19 de fevereiro aconteceu reunião na comunidade quilombola de Santa Rosa dos Pretos (Itapecuru-Mirim) para discutir, em conjunto com a Fundação Cultural Palmares e o INCRA, a duplicação da estrada de ferro Carajás, no trecho que passa pelas comunidades de Santa Rosa e Monge Belo, em Itapecuru, e em comunidades quilombolas do município de Santa Rita/MA.

A VALE pretende duplicar a estrada de ferro Carajás para poder escoar a grande produção de minério de ferro, a fim de atender a atual demanda do mercado mundial. Em São Luis, a VALE já constrói, a pleno vapor, o Pier IV do Porto da Madeira, que possibilitará o aumento da exportação do minério oriundo de Carajás/PA.

Segundo informações do INCRA/MA, a VALE não interferiu em nenhum momento do processo de titulação das referidas comunidades, com exceção da fase de contestação. A mineradora alegou que a área demarcada pelo INCRA se sobrepunha à área pertencente à empresa. Se a contestação da VALE não for julgada procedente, ela ameaça ingressar com ação judicial para anular todo o processo de titulação, obrigando a autarquia federal a iniciar o processo desde o seu início (inclusive refazendo todo o laudo antropológico da comunidade).

Quando a VALE requereu ao IBAMA o licenciamento ambiental para duplicação da ferrovia (o licenciamento, diga-se de passagem, foi realizado de forma fracionada. Não considerou toda a extensão da estrada de ferro. O processo de licenciamento ocorre por trechos), o órgão ambiental, verificando a existência de comunidades quilombolas, condicionou a expedição da licença a um parecer emitido pela Fundação Cultural Palmares “autorizando” a obra. Ressalte-se que a FCP não é órgão representativo das comunidades quilombolas. Não é possível à FCP falar em nomes das comunidades. Isso fere, gravemente, a Convenção 169 da OIT, ratificada pelo Brasil.

A partir dessa condição dada à FCP, foi indicada uma reunião entre a Palmares, o INCRA e as comunidades para discussão do Projeto. Na reunião ocorrida no último sábado, a antropóloga da FCP ouviu dos quilombolas presentes à reunião todos os impactos da linha férrea. Para quem acha que uma simples estrada de ferro não causa graves impactos, segue relato:

“para nós não interessa passarela, deveriam ser construídos viadutos (no trecho referente a Monge Belo, são necessários dois viadutos) porque por diversas vezes ocorreu de o trem ficar parado horas e até dias por problemas técnicos e a comunidade não poder passar, inclusive com casos de pessoas doentes que ficaram impossibilitadas de serem socorridas. A VALE acabou com a estrada da comunidade e [eles] não ajeitaram. O projeto que tem para melhorar as vias de acesso da comunidade somente contempla aquelas vias que levam à ferrovia. As passagens de nível são precárias; no inverno as pessoas não conseguem passar porque ficam alagadas. A empresa não dialoga com a comunidade; quando fala é individualmente. Desde a última reunião [ocorrida entre a empresa e a comunidade no dia 28 de janeiro] em que a empresa apresentou o seu projeto de duplicação, não conversou mais com a comunidade.” (relato de morador da comunidade de Monge Belo).

Ademais, moradores dessas comunidades e de outras relatam que a empresa, mesmo sem licença ambiental expedida, já teria iniciado, às escondidas, as obras de duplicação da ferrovia. Tais denúncias são graves e devem ser apuradas. Se comprovadas, a VALE atinge frontalmente a legislação ambiental brasileira, devendo o Estado aplicar-lhe as sanções administrativas e judiciais cabíveis. A anulação do processo de licenciamento ambiental é uma dessas sanções.

É claro que a empresa tem todo o interesse em atrasar o processo de titulação da comunidade. Se elas já fossem tituladas pelo Estado, ela seria obrigada a indenizar as comunidades pela passagem da estrada de ferro em seus territórios. A omissão/lentidão do Estado em cumprir mandamento constitucional (art. 68 ADCT) e a legislação internacional cabível, continua ocasionando os conflitos vivenciados pelas comunidades quilombolas, seja com grileiros e fazendeiros, seja com grandes empresas e multinacionais, como no caso da VALE.

Voltando à reunião do dia 19. Feitas as explanações da FCP e do INCRA, a comunidade se manifestou relatando os inúmeros problemas ocorridos desde a implantação da estrada de ferro Carajás. Ao final da reunião, em virtude de todas as colocações apontadas na reunião, a Palmares comprometeu-se em não emitir nenhum “parecer” ao IBAMA antes de uma audiência pública promovida pelo Ministério Público Federal, ainda a ser agendada. Além disso, quando da elaboração do Parecer, antes de ser encaminhado ao IBAMA, a FCP enviará o mesmo às comunidades afetadas para que as mesmas possam analisá-lo detidamente e verificar se suas manifestações estão ali expressadas.

Pode parecer discurso vazio, mas é fato. Se o Estado tivesse procedido conforme mandamus constitucional, a VALE, provavelmente, não enfrentaria a briga com as comunidades pela duplicação da estrada. Como as mesmas ainda não tem garantido, formalmente, a propriedade de suas terras, a mineradora se aproveita dessa lacuna para realizar seus empreendimentos sem ter que pagar as indenizações devidas.

E a tudo isso a VALE chama de responsabilidade sócio-ambiental.

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